sexta-feira, 24 de junho de 2011

PANORAMA HISTÓRICO DA TRADUÇÃO E A CONCEPÇÃO LUTERANA


CONGREGAÇÃO SANTA DOROTÉIA DO BRASIL
FACULDADE FRASSINETTI DO RECIFE-FAFIRE
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO DE METODOLOGIA DA TRADUÇÃO DA LÍNGUA INGLESA

Trabalho realizado por Sandra Morais e apresentado à professora Margareth Patápio, da  disciplina: História da Tradução, do curso de pós-graduação: Especialização em Língua Inglesa: Metodologia da Tradução, como requisito parcial para aprovação do curso. 
Recife – PE. 
Junho/2011

HISTÓRIA DA TRADUÇÃO

Nos primórdios, a tradução era feita pelos povos assírios, babilônios e hititas. Eram traduzidos documentos oficiais. Mas, a primeira tradução literária foi da Odisséia, de Homero, do grego para o latim, por Lívio Andrônico, escravo grego capturado em Tarentum, que, inclusive, foi o primeiro tradutor europeu. Os modelos gregos foram seguidos por muitos autores latinos. A literatura romana foi fortemente influenciada pela desenvoltura artística desse país.

CONCEPÇÃO GRECO-ROMANA DA TRADUÇÃO:

Na escola romana o aprendizado era de gramática e retórica, parecido com a escola grega. Sendo, nos estudos gramaticais, uma análise técnica e textual do discurso; e, na retórica, por imitação.
Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) foi um filósofo romano, divulgador do pensamento grego que introduziu conceitos na língua latina. “Sua ocupação era compor e traduzir diálogos filosóficos e fazer passar para o latim os termos da física e da dialética.” O ideal tradutório dos tradutores dos targumim era ser o mais “fiel” possível ao texto original, não importando se o texto de chegada não obedecesse a sintaxe e a pragmática da língua-alvo.
Cícero levantou o primeiro questionamento reflexivo sobre a arte e a tarefa do traduzir: “deve-se ser fiel às palavras do texto ou ao pensamento contido nele?” (Mounin apud Furlan)
O autor aponta para “duas maneiras de traduzir: a do ‘orador’ e a do ‘intérprete’”, ou seja, não traduzir palavra por palavra. Mas percebe-se uma preocupação em manter o mesmo pensamento do autor e com o contexto cultural quando diz: “Não traduzi como intérprete, mas como orador, com os mesmos pensamentos e suas formas bem como com suas figuras, com palavras adequadas ao nosso costume.” (grifo meu) (Cícero apud Furlan). No entanto, para Cícero havia uma diferença entre o traduzir e o interpretar. Enquanto “traduzir era como orador” não tinha necessidade de ser palavra por palavra, o “intérprete”, por sua vez, era “palavra por palavra”, inclusive, na mesma quantidade do original. Segundo estudiosos, Cícero se prende a uma linha de pensamento sobre tradução como imitação de oradores gregos. 

Após 30 anos da influência de Cícero, surge Horácio abordando temas a respeito da estética literária, afirmando em seu livro Líber de arte poética que a “criação poética é uma imitação e sua finalidade é a representação cênica.” (Grimal apud Furlan). Horácio defendia o tradutor como autor.
Muitas mudanças políticas ocorreram entre o século II e IV até a queda do Império Romano, tornando a tradução cada vez mais necessária. Com o crescimento do cristianismo houve uma necessidade de se traduzir os livros sagrados e os sermões de padres, exigindo, assim, uma reprodução dos originais, o mais fiel possível. A partir daí, inicia-se uma tradução que vai de encontro ao pensamento ciceriano, pois, por conta da demanda, passa a haver “um grande liberalismo nas traduções”, passando a existir uma tradução sacra e outra profana, sendo que havia uma maior preocupação em que a sacra fosse o mais literal possível do que a literária.
            Depois, a tradução passou a ser denominada de enarratio, contendo comentários dentro do texto traduzido. Isso já era praticado pelos romanos ao traduzirem as obras gregas. Enarratio e recte loquendi eram as partes da gramática, utilizadas no processo tradutório, se tornando inferior à literária por ser parcialmente criadora.
Com o passar dos anos, a enarratio foi assumindo uma característica de tradução criativa, pois passou-se a reconhecê-la como “objeto de interpretação contínua e mutável”, segundo Furlan. As glosas e comentários ajudavam nesse processo de tradução, servindo como fonte de consulta, realizando o que chamavam de retroversões, para outros idiomas vizinhos, recriando novas versões textuais pois houve também um crescimento de traduções manuscritas.
Tendo em vista o crescimento da literatura sacra e a necessidade cada vez maior desse tipo de tradução, destacou-se nesse período um grande escritor, tradutor: São Jerônimo. Jerônimo, além de tradutor, foi um contestador e crítico quanto à forma de tradução dos textos bíblicos, pois não concordava em traduzir de forma literal, na ordem em que estava o texto, mas priorizando o sentido. ‘Nas escrituras não são as palavras que devem ser consideradas, mas o sentido’. Jerônimo foi seguidor de Cícero. A diferença dele para a escritura dos romanos é que priorizava o texto fonte, sem que traduzisse de forma literal.
Boécio defende a tradução pelo sentido, porém de forma literal, pois acha que dessa forma ‘impede a corrupção da verdade’. Anastácio, e Tomás de Aquino criticam o literalismo.
            O cuidado exacerbado com a corrupção da verdade, em um texto religioso e filosófico era tão intenso que limitava a tradução em um literalismo profundo, no intuito de atingir a plena fidelidade ao texto original.
            Copeland classifica a tradução medieval em dois modelos. Enquanto um denominado primário, que é submisso ao texto original e predominam-se as “diretrizes exegéticas”; no outro há uma aproximação do modelo romano e é chamado de secundário, exercendo a característica de uma “produção textual independente”.
O secundário não necessariamente, se dissocia do primário, pois ambos são compostos pelos mesmos elementos lingüísticos; a diferença está apenas no objetivo final do texto traduzido, “na forma em que dirigem sua ênfase”. (Copeland apud Furlan. O conceito da diferença entre tradução livre e literal se aproxima da diferença entre gramática e retórica, conforme a concepção da antiguidade. Já na era medieval, ‘a tradução primária’ que está sujeita ao texto fonte, pode ser livre ou re-criativa, e a secundária, ‘explora as possibilidades de produção e invenção da exegese’. (Furlan).
Como vemos, a concepção da tradução estava sempre em estudo, em divergências, convergências e mudanças.
            Mas, até o século VI havia poucas traduções do grego para o latim. Isso propiciou um aumento de traduções para línguas vulgares, nesse período também teve início a literatura em línguas vernáculas.
Iniciam-se então no século VII as traduções às línguas vernáculas românicas, de cunho religioso, e nos séculos VIII e IX às germânicas.
Folena (1991) citado pelo Furlan, denomina de tradução vertical aquela em que o texto de partida era do latim ao vernáculo. O latim era muito valorizado e prestigiado, tanto no aspecto educacional quanto no religioso, pois era uma língua bem estruturada. Há uma hierarquização entre a língua latina e a vernácula.
Segundo Furlan, na antiguidade clássica romana prevalecia o inuentio-elocutio, em que Horácio afirma ser mais fácil recriar do que criar, não dando valor ao autor original da obra, pra ele é mais importante o que foi recriado a partir do original.
Havia um interesse dos romanos pela cultura grega de forma que a tradução por imitação era, nada mais, no intuito de deslocar essa cultura, apossando-se dela ou gerando, talvez, uma mistura ou uma difusão cultural, adaptada aos romanos.



CONCEPÇÃO RENASCENTISTA E MODERNA DA TRADUÇÃO

No renascimento, há um avanço intelectual que se reflete nas universidades, nos séculos XII e XIII. Havia nas universidades “sete artes liberais (gramática, retórica e dialética compunham o triuium; aritmética, música, geometria e astronomia, o quadruium)”, mas chegou-se a uma conclusão de que essas cadeiras não eram suficientes. Foi no século XIV que a gramática e a retórica foram retomadas no esquema humanista, tornando-se, a retórica, o maior denominador comum dos humanistas.
A maior característica renascentista está na retomada da retórica clássica, da teoria elocutiva.
Segundo os historiadores, por conta da queda do Império Romano Oriental, e a invasão de Constantinopla, muitos intelectuais se refugiaram na Itália, fazendo com que o idioma grego fosse difundido; assim, consequentemente, também as obras bizantinas, que eram originais, ficaram sendo conhecidas. Isso acarretou um surgimento de novas concepções para a tradução. Uma vez que, para se traduzir um texto do grego que era o original para o latim, ao invés do latim (alterado do grego) para outra língua), podia-se perceber a diferença do texto fonte para o de chegada.
Daí a preocupação com ‘o texto original isento de interpretações’. Longiano disse: “A tradução que representa as palavras não representa necessariamente também os pensamentos?”
Nesse período havia a necessidade do conhecimento aprofundado de ambas as línguas, além do conhecimento do conteúdo científico do texto. A reprodução artística também foi um fator preponderante para os renascentistas. Com base nessa habilidade artística era possível se desenvolver a arte literária pelo ouvido, pela sensibilidade que se refletia consequentemente, na elocução. A proposta no renascimento era de ‘produzir arte textual na língua de chegada’, porém sem trair o texto original.
Houve uma ênfase do conteúdo com a estética textual, preocupação com o leitor/ouvinte. Mas, como traduzir os diferentes tipos de gêneros textuais? Furlan nos traz citações de vários teóricos do período em questão:
Juan Luis Vives que afirma: “Aqueles que querem traduzir de uma língua a outra devem  necessariamente expressar os pensamentos, conservar a ordem das coisas, e com as mesmas formas e figuras (...) Devem, depois, expor os pensamentos com palavras daquela língua da qual se traslada.”
Etiene Dolet, não é a favor da ordem das palavras, mas valoriza a “intenção do autor”
George Chapman, que traduziu a Ilíada, é contrário ao pensamento de seguir “o número e a ordem das palavras” e é a favor da arte, ao utilizar a expressão de ‘vestir as sentenças e adorná-las com palavras’, demonstrando certa preocupação com a linha de chegada.
Martinho Lutero se apegou ao sentido. ‘Mas não abandonou a letra’. A tradução em Lutero foi concebida com base na sua teologia. Era influenciada pelo seu pensamento religioso. Lutero foi o símbolo da Reforma Protestante que tinha como princípios: a Bíblia como única regra; só a fé salva; e, a acessibilidade à leitura da Bíblia para qualquer pessoa. Lutero é a favor da retórica, mas com o intuito de que o leitor/ouvinte compreendesse o discurso. Ele não ignorava a necessidade do conhecimento das línguas e literaturas; e sua tradução era trabalhada a partir dos originais. Para ele, a tradução se definia como “adaptação do que foi numa língua estrangeira a sua própria língua” (Lutero apud Furlan). Sua preocupação era com o texto na língua de chegada, traduzindo dentro do contexto para uma melhor compreensão; até chegava a utilizar estrangeirismos, desde que servisse de recurso para um melhor entendimento do texto.
            Walter Benjamim escreveu em 1923 um texto sobre “A Tarefa do Tradutor”, afirmando que tradução não é recepção, nem comunicação, nem mesmo imitação, mas sim, uma forma. Portanto, sua tarefa é transpor. Ele afirma que,

A fidelidade na tradução da palavra isolada quase nunca pode reproduzir o sentido completo que possui no original. Pois o sentido se faz conforme sua significação poética para o original. E a significação poética se realiza no como significado está ligado ao modo de significar na palavra determinada. (BENJAMIM apud FURLAN)



Segundo Steiner, Dryden foi o precursor da concepção da tradução como arte, ele traz a ideia da metáfrase, paráfrase e mímese, trazendo como exemplo as Epístolas de Ovídio. A metáfrase é traduzir no sentido literal, mas para ele, isso “é como andar de corda bamba com os pés atados”. Quanto à mímese, que é a imitação, ‘é um outro extremo oposto da paráfrase’, para ele a paráfrase é a melhor forma de se trabalhar a tradução, ele chama de “tradução liberal”, é o ponto de equilíbrio de uma escritura.

Foi um movimento que ocorreu por volta de 1950, na França sob a influência do filósofo e lingüista Ferdinand de Saussure e Roman Jackobson, descrevendo uma lingüística estruturalista. Para Saussure a palavra era um signo formado por significado e significante. Jackobson, que representou o formalismo russo, “tratou as formulações dicotômicas (langue/parole, sincronia/diacronia) de Saussure de uma forma dialética, insistindo na estreita relação entre forma e significado, em uma situação de sincronia dinâmica. (WAUGH & MONVILLE-BURSTON, 1990, p. 9 apud PETERS).
Após o estruturalismo lingüístico veio Derrida com o pensamento pós-estruturalista, com o chamado Desconstrutivismo .
O pensamento desconstrutivista surgiu na década de 60, quando os estudantes reagiram a uma cultura que há muito já havia se estagnado e se enraizado na sociedade francesa. Essa cultura arcaica privava a liberdade de expressão do povo, que procurava cumprir com seus deveres, porém, em conseqüência, seus direitos eram esquecidos pelo Estado. Nesse período, a filosofia também era inquestionável, pois se fechava em seu dualismo absoluto como verdade pré-estabalecida, que girava em torno do logocentrismo. “O logocentrismo é uma metafísica etnocêntrica, num sentido original e não relativista. Está ligado à história do Ocidente” (DERRIDA (2006:98) apud LEAL). É daí que surge o desconstrutivismo derridiano, para contestar esse dualismo, para mostrar algo que vai bem mais além da filosofia, até então, tradicional.
            Derrida faz uma analogia entre um texto e uma cidade. Ele diz que um texto desconstruído é como uma cidade desabitada, “não simplesmente abandonada, antes assombrada pelo sentido e pela cultura.” Assim fica mais fácil de identificar as inferências de um texto, pois mostra a possibilidade de adentrar-se  no texto e, como quem ler a mente do autor, tirar conclusões com diferentes significados, até porque a proposta não é uma destruição, mas sim, um desmascaramento do original para se chegar a um sentido (significado).
            O papel da tradução é primordial nesse processo de desconstrução, pois, segundo Águiar (2000), citado por Gonçalves, “o texto traduzido nada mais é do que uma tradução de uma tradução anterior e assim sucessivamente.” O que ocorre, na verdade, é um jogo lingüístico, pois o signo não é estático, e sim dinâmico, variando de acordo com o contexto sócio-histórico-cultural de determinado texto. Pois “uma língua complementa a outra.” A tradução, então, é uma forma de viabilizar esse processo, proporcionando uma interculturalidade entre línguas.
            Enquanto Saussure afirma que “um signo é aquilo que o outro signo não pode ser”, Derrida, por sua vez, se contrapõe ao afirmar que “um significado torna-se sempre um outro.” Além disso, para Saussure, a escrita é um papel irrelevante em relação à fala. Já Derrida, desconstrói esse pensamento, e des-hierarquiza esse sistema, ao colocar a fala e a escrita em um mesmo patamar.


CONCLUSÃO

            De acordo com o panorama histórico descorrido acima, bem como a citação de diferentes teóricos com suas correntes tradutológicas que, muitas vezes, se divergem, como também, às vezes, se convergem, vale apontar para o fato de que a tradução ainda é algo que se tem muito a dar, a pesquisar e a analisar. Principalmente pelo fato de que nos dias atuais, vivemos em uma realidade totalmente diferente dos demais teóricos, mas que mesmo assim, a teoria da tradução encontra-se presente. Nesse mundo contemporâneo, em que é a era da conexão, a era da informação mais rápida quanto possa ser, a era em que a mídia se coloca como formadora de opinião influenciando a sociedade, bem como também, informando à sociedade algo que aconteceu a um segundo atrás, diferentemente da Antiguidade, é importante lembrar que não podemos desconsiderar este contexto real e até virtual. Isso influencia na teoria de qualquer ciência, pois se trata de um contexto cultural, histórico e socialmente universalizado e globalizado.
            Dos teóricos citados anteriormente, uns dos que mais se destacaram em minha concepção, foram São Jerônimo com a tradução da Bíblia a partir do original, utilizando o latim popular, no intuito de proporcionar uma maior acessibilidade de leitura aos cristãos; como também Lutero foi um destaque no Renascimento com a tradução da Bíblia para o alemão, também a partir do original; e, Cícero que valoriza a tradução pelo sentido e não palavra por palavra. Segundo eles, a literalidade na escritura comprometia o significado do texto. Jerônimo tinha como teoria respeitar o texto de partida, mas tinha que ter uma interpretação, porém devia ficar preso à palavra desde que isso não influenciasse no sentido da mensagem. Vale ressaltar que as ideias de Boécio e Bacon convergem com as de Jerônimo.

O teórico que mais me identifico é Lutero, pois afirma que “ao traduzir me esforcei em escrever um alemão puro e claro. [...] Não é só o sentido que deve servir e seguir às palavras, mas sim as palavras ao sentido.” (LUTERO apud FURLAN)
Lutero nasceu na Alemanha, foi um sacerdote agostiniano e professor de teologia. Era extremamente crítico quanto aos dogmas da Igreja e por isso levantou vários questionamentos e foi até o fim em suas teses, sem renunciá-las em momento algum. Esse espírito de criticidade fez com que fomentasse nele o desejo de traduzir a Bíblia para outra língua que não fosse o latim, pois ele viu que o povo estava na ignorância, sem senso crítico por não terem acesso à leitura e sendo manipulados pelos dogmas papais. Por isso sua tradução foi tão importante, uma vez que, era de cunho teológico tinha uma grande responsabilidade na interpretação, daí sua preocupação em traduzir a partir do original, sem dar muito valor à estética, pois seu objetivo era totalmente no âmbito teológico preocupado com o receptor da mensagem (leitor/ouvinte), além de contestar os dogmas da Igreja. Lutero não ignorava o contexto histórico-social: ‘O significado das palavras deve ser obtido a partir do conjunto da Escritura assim como do contexto de seus feitos.’

           


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